Mafaldinha

Nunca tinha tido aquela sensação de entrar no mundo de alguém que já partiu.
Sinceramente é estranho tocar nas coisas pessoais de alguém sem essa pessoa estar por perto; sem poder contar as histórias de cada objecto.
A avó partiu mas deixou-nos o mundo dela. O mundo das coisas muito arrumadas; muito organizadas; muito limpas; o mundo de que cada objecto guardado tem o seu significado.
Herdei sim! Herdei as suas histórias, as suas regras de etiqueta, a sua simpatia, a sua franqueza e vá até herdei um bocadinho da sua forma arisca de falar.
Deixamos a sua roupa cuidadosamente tratada no Exército de Salvação em Colares. A empregada recebeu-nos com um enorme sorriso e comentou que raramente entregam roupa em tão bom estado (achou piada a alguns pormenores pessoais da roupa da avó).
Também herdei um pequeno tesouro; uma caixa de costura com muitos anos. A caixa tem um desenho muito antigo na tampa em vários tons de verde, lá dentro um cem números de coisas todas muito bem arrumadinhas; estojos de agulhas, estojos de alfinetes, caixinhas com botões de várias cores, tesouras, tesourinhas, fitas; fechos, alfinetes de dama…
Só quem conheceu a avó é que percebe a importância da sua caixa de costura, o carinho que lhe depositava.